Rubens Alves um dos maiores pensadores brasileiros faleceu em 2014 deixando uma obra importante para literatura brasileira. Reproduzimos, como forma de homenagem, um dos seus textos que circulam mormente pela internet.
O rei vai nu
Havia
um rei muito tolo que adorava roupas bonitas. Os tolos, geralmente,
gostam de roupas bonitas. Pois este rei enviava emissários por todo
o país com a missão de comprar roupas diferentes. Os seus
guarda-roupas estavam cheios de fatos, sapatos e gravatas de todas as
cores e estilos. Eram tantas as suas roupas que ele estava muito
triste porque os seus emissários já não encontravam novidades.
Dois
espertalhões ouviram falar do gosto do rei por roupas e viram nisso
uma oportunidade de enriquecer à custa da vaidade de sua Majestade.
Foram até ao palácio e apresentaram-se como «especialistas em
tecidos mágicos».
O
rei já tinha ouvido falar de tecidos de todos os tipos, mas nunca
ouvira falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou que os
homens fossem trazidos à sua presença.
– Falem-me
do tecido mágico.Um
dos espertalhões, o mais loquaz, disse:
– Majestade,
diferente de todos os tecidos comuns, o tecido que nós tecemos é
mágico, porque somente as pessoas inteligentes podem vê-lo.O
rei ficou encantado e contratou-os imediatamente, oferecendo-lhes um
amplo aposento onde poderiam montar os seus teares e tecer o tecido
que só os inteligentes poderiam ver.
Passados
alguns dias, o rei mandou chamar um ministro e ordenou-lhe que fosse
examinar o tecido. O ministro dirigiu-se ao aposento onde os tecelões
trabalhavam.
– Veja,
excelência, a beleza do tecido, – disseram eles com a mãos
estendidas. O ministro não viu coisa alguma e entrou em pânico:
«Meu Deus,» pensou. «Se não vejo o tecido, sou estúpido...»
Resolveu, então, fazer de conta que era inteligente e começou a
elogiar o tecido como sendo o mais belo que tinha visto.«Majestade»,
relatou o ministro ao rei, «o tecido é incomparável, maravilhoso.
De facto, os tecelões são verdadeiros magos!»
O
rei ficou muito feliz.
E o
mesmo relatório foi feito por todos os outros ministros. Até que o
rei resolveu ir pessoalmente ver o tecido. Mas, como os ministros,
ele não viu coisa alguma, porque nada havia para ver e pensou: «Os
ministros viram. São inteligentes. Mas eu não vejo nada! Sou
estúpido. Não posso deixar que eles saibam da minha burrice, porque
pode ser que tal conhecimento venha a desestabilizar o meu
governo...» O rei, então, entregou-se a elogios entusiasmados ao
tecido que não existia.
O
cerimonial do palácio determinou que deveria haver uma grande festa
para que todos vissem o rei nas suas novas roupas. E todos ficaram a
saber que somente as pessoas inteligentes as veriam. Todos os
cidadãos inteligentes foram convidados para comparecerem à
solenidade.
No
Dia da Pátria, a cidade engalanada, bandeiras por todos os lados,
bandas de música, as ruas cheias, tocaram os clarins e ouviu-se uma
voz, que anunciou: «Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos
instantes, a vossa inteligência será colocada à prova. O rei vai
desfilar usando a roupa que só os inteligentes podem ver.» Canhões
dispararam uma salva de seis tiros. Rufaram os tambores. Abriram-se
os portões do palácio e o rei marchou vestido com a sua roupa nova.
Foi aqueleoh! de
espanto. Todos ficaram maravilhados. Como era linda a roupa do rei!
Todos eram inteligentes. No alto de uma árvore estava empoleirado um menino a quem não haviam explicado as propriedades mágicas da roupa do rei... Ele olhou, não viu roupa nenhuma, viu o rei nu exibindo sua enorme barriga, as suas nádegas murchas e vergonhas dependuradas. Ficou horrorizado e não se conteve. Deu um grito que a multidão inteira ouviu: «O rei vai nu!» Silêncio profundo. E uma gargalhada mais ruidosa que a salva de artilharia. Todos gritavam enquanto riam: «O rei vai nu, o rei vai nu...»
O
rei tratou de tapar as vergonhas com as mãos e correu para dentro do
palácio.
Quanto
aos espertalhões, já estavam longe e haviam transferido os milhões
que tinham ganho para um paraíso fiscal.
História
original de Hans Christian Andersen.
Versão adaptada de Rubem Alves. Ilustrações de O’Kif. (cópia)
Versão adaptada de Rubem Alves. Ilustrações de O’Kif. (cópia)